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Vintage Culture: como o jovem de 26 anos se tornou um DJ superstar e fenômeno da música eletrônica

Com grandeza para lotar casas de shows, clubes e estádios de futebol, Vintage Culture fala sobre como chegou no topo e do mundo além-música, da obsessão pelo sucesso às crises de ansiedade: "Achei que ia morrer"

Redação Publicado em 06/12/2019, às 08h00

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Lukas Ruiz, o Vintage Culture, está na capa da 145ª edição da Rolling Stone Brasil (Fotos da matéria: Fabrizio Pepe)
Lukas Ruiz, o Vintage Culture, está na capa da 145ª edição da Rolling Stone Brasil (Fotos da matéria: Fabrizio Pepe)

No segundo final de semana do Rock In Rio 2019, Mara Hespanhol, 51, arrumava a barra da calça do filho que logo iria subir ao palco. O intuito era que a estampa da meia ficasse à mostra no look. Aos 26 anos, Lukas Ruiz, o Vintage Culture, estava prestes a se apresentar pela terceira vez no maior festival de música do País. Agora em um lugar de destaque, o encerramento do palco dedicado à música eletrônica New Dance Order, no domingo, dia 29 de setembro. Ainda assim, o rapaz curiosamente parecia mais entusiasmado com o novo presente: a meia com a estampa de Corgi, a raça do seu cachorro Bentim.

"Meu pai ficava puto que eu passava o dia na frente do computador"

Faz apenas seis anos que Lukas arrasta multidões para o seus sets. Um dos maiores DJs do país — recebe cachês que ultrapassam os seis dígitos e possui uma agenda lotada com mais de quatro apresentações semanais —, se mantém tranquilo no camarim. Antes da apresentação no Rock In Rio, comeu sushi e cumprimentou seus amigos com um “hey roy”, referência ao meme criado pelo pecuarista mato grossense Thiago Boava, que aparece em vídeos abrasileirando o jeito de falar do western norte-americano.

(Capa da Rolling Stone Brasil com Vintage Culture)

A imagem do garoto pacato não parece um acaso. Nascido numa cidadezinha do Mato Grosso do Sul, em 1993, ele passou parte da infância numa vila de agricultores no Paraguai, na fronteira com o Brasil, e aos oito anos mudou-se com a família para Mundo Novo, município com cerca de 19 mil habitantes e distante 400 quilômetros de Campo Grande. Seu sonho, quando criança, era “ser piloto de colheitadeira, assim como meu pai”. Sobre a influência musical, lembra de ouvir Leandro e Leonardo e música sertaneja durante a infância. “Não existia nenhuma indicação de que um dia eu seria um DJ”, diz.

Na lan house da cidade (lembram-se delas?), ele foi apresentado à música eletrônica por um colega. No Google, naquele dia, buscou: “Como fazer música?”. Depois disso, ficou obcecado.
A mãe, dona Mara, possuía uma loja que vendia de eletroeletrônicos a utensílios domésticos. Veio dela o primeiro computador, quando Lukas ainda tinha 12 anos. “Era um computador com 120 kbytes", lembra. A máquina estava longe de ser das melhores, mas isso não fazia diferença.

Naquele tempo, o pai havia perdido o emprego e passava muito tempo em casa. "Ele ficava puto porque eu passava o dia na frente do computador”, relembra. “Quando eu falei pro meu pai que queria ser DJ, ele me disse: ‘Você vai ser um nada’.”

Muito em respeito à opinião do pai, Lukas, se propôs a fazer o curso de Direito, em Maringá, no Paraná, cidade para onde se mudou e foi morar sozinho aos 18 anos. Por um ano na nova cidade, o jovem tentou se manter na faculdade. “Meu pai queria que eu fizesse Direito para prestar concurso para ser policial federal”, relembra.

Cultura Vintage

“Em Maringá, era eu e meu computador”, lembra. “Nessa época eu já tinha internet — e foi assim que descobri o nu-disco, o que chamam de deep house.” Na esteira das novas descobertas musicais, vieram releituras em cima de músicas do Depeche Mode e do New Order, até que, em 2013, nasceu o Vintage Culture.

Lukas passou a assinar seus sons como Vintage Culture para se diferenciar de Victor Ruiz, produtor brasileiro de techno. Muita gente acreditava se tratar da mesma pessoa, não percebiam as diferenças entre as contas de Lukas e Victor no Soundcloud, uma plataforma de música na qual os produtores mais testavam o alcance de seus remix naquela época.

Foi então que, também em 2013, Lukas soltou sua versão de “Another Brick in The Wall”, do Pink Floyd. No remix com mais de sete minutos, o hino rebelde de Roger Waters ganhou nuances de deep house, cheio de batidas bem marcadas que dão vontade de dançar com as mãos pro alto e os olhos fechados. E não deu outra, o remix se popularizou e Lukas passou a receber convites para tocar em clubs Brasil afora.

O sucesso veio rápido. Aos 19 anos, com o primeiro contrato com a assessoria de DJs Groove Agency e tocando em espaços como a Green Valley, em Florianópolis, Lukas pôde comprar uma Hilux para seu pai. “Só a partir daí ele começou a ver que as coisas estavam dando certo mim”, conta. “Ele tinha orgulho. Nunca veio falar pra mim, mas falava sempre pra outras pessoas o quanto se orgulhava do meu trabalho.” O pai, seu Valdir, morreu em 2014, em um acidente com um barco de pesca - ele não sabia nadar e se afogou.

Mercado

Ainda que o sucesso tenha vindo rápido para Lukas, não foi exatamente uma jogada da sorte. Existiu um momento propício para a ascensão dele, ligado ao mercado da música no Brasil. Antes de 2014, não era comum existir um headliner nacional nos maiores clubes de eletrônica do País. Essa realidade mudou em 2015, com a alta do dólar em 2015, quando se tornou cada vez mais difícil (e caro, é claro) a contratação de atrações internacionais. A solução era apostar nos jovens produtores nacionais.

O ano de 2015 marca outro fato importante: o maior festival de música eletrônica do mundo, o Tomorrowland, passou a ter uma edição brasileira. E ainda que o evento tenha tido apenas duas edições por aqui, ficou claro que havia um público fiel ao gênero que encheu duas edições do festival em uma fazenda em Itu, no interior de São Paulo.

Em pesquisa divulgada pela Brazil Music Conference, plataforma de música e entretenimento da América Latina, a EDM já é o gênero musical preferido de 25 milhões de brasileiros. Não é à toa que festivais tradicionais por aqui, como o Lollapalooza e o Rock in Rio, passaram a dedicar palcos exclusivamente ao gênero.

É nesse cenário nacional, no qual a eletrônica se torna cada vez mais popular, que surgem produtores nacionais como o Alok e o próprio Vintage Culture, ambos com status de DJs superstar. Quem tem mais de 30 anos sabe que Fatboy Slim foi dos poucos artistas da eletrônica a ser alçado ao posto a astro pop nos anos 1990. Mais recentemente, no entanto, o fenômeno parece se popularizar com o séquito de fãs que seguem produtores como o norte-americano Steve Aoki, que gravou com a Iggy Azalea e até o Blink-182, e se tornou ainda mais conhecido quando, no meio de um set, jogou bolo no seu público.

Para Claudia Assef, jornalista especializada na cobertura de música eletrônica e autora do livro Todo DJ Já Sambou, novos DJs superstar surgem juntamente com uma nova forma de consumir música. "Minhas filhas de nove e sete anos sabem quem são esses DJs, que fazem uma música que não é territorialista, por isso ninguém mais precisa integrar uma tribo tal para consumir esse som", pontua.

Para Claudia, tudo está ligado ao que ela chama de "estilo shuffle de ouvir música". "Essa geração está conectada com a música, não necessariamente com o álbum", diz ela, para explicar como Vintage Culture tem se tornado um astro pop — hoje com mais de dois milhões de seguidores no Instagram e seu último som, “In The Dark”, no chart das 200 músicas mais tocadas no Brasil no Spotify.

Fenômeno

Vintage Culture é, de fato, um fenômeno: um dos DJs mais bem pagos do país, eleito pela revista Forbes, em 2017, como uma das 30 personalidade com menos de 30 anos mais influentes do Brasil. Ainda se tornou o nome à frente do festival Só Track Boa, que se desdobra em uma gravadora e uma marca de streetwear. Os números mostram que o negócio é grande: foram mais de 18 eventos do Só Track Boa em 2019, com direito a lotação esgotada em Nova York e 30 mil pessoas no Mineirão, em Belo Horizonte, o maior público em um evento musical no estádio até hoje.

“Era uma vida feliz, eu não sabia que existiam outras coisas”

Entre o desejo de curtir um churrasco com os amigos em Novo Mundo e a responsabilidade de cuidar dos negócios como produtor e jovem empresário, Lukas falou com a Rolling Stone Brasil sobre grana, sucesso e como, mesmo com tudo isso, foi parar no hospital com crises de ansiedade. Leia mais a seguir:

Rolling Stone: O Brasil parece ter virado essa meca da música eletrônica. Alguns grandes festivais vieram pra cá, e você mesmo é um dos nomes que comanda o Só Track Boat. Como que a sua geração está profissionalizando a cena eletrônica no Brasil?

Lukas Ruiz: Tive um tanto de sorte porque com a saturação do EDM puro e o dólar em alta, eu comecei a receber mais convites para tocar. Meu cachê, no começo, era coisa de R$ 3 mil reais e eu investia R$ 30 mil no Facebook. Já cheguei a dever R$ 187 mil no banco de tanto que investia nas redes sociais. Foi a partir daí que as coisas começaram a crescer. Sempre me baseei muito no que os DJs gringos faziam no campo de marketing. Sempre tomei muito a frente da minha carreira. E assim as coisas foram crescendo.

Rolling Stone: Aos 26 anos, você viajou mundo afora, emplacou vários sons em charts de música, é sócio do Air, um clube sazonal em São Paulo, tem uma gravadora e um festival. Não é muita responsabilidade para alguém da sua idade? Uma vontade de aproveitar um churrasco com os amigos no final de semana?

Lukas Ruiz: Faz um mês que fui para Mundo Novo de surpresa e fiz um churrasco com os amigos. A gente faz churrasco quase todo dia aqui em casa. Minha relação com a minha equipe é sempre de amizade, o pessoal cola com os cachorros aqui. E eu sempre fui um cara caseiro. Até hoje eu prefiro ficar em casa.

Rolling Stone: Aliás, você está rico? Guarda dinheiro pra aposentadoria?

Lukas Ruiz: Não posso negar que nos últimos anos venho vivendo uma realidade que jamais poderia imaginar. Com o cachê e o número de shows crescendo, faço questão de dar investimentos pro público do festival, como água, açaí e protetor solar gratuitamente para a galera que vai ao Só Track Boa. Minha ideia é sempre prover a melhor experiência aos fãs nos shows. Afinal eles me deram tudo que tenho, o que estiver ao meu alcance de dar de volta farei com prazer. Mesmo assim ainda consigo guardar dinheiro, viver uma vida que não me privo de nada e investir em ideias que me instigam. Sou muito grato por tudo isso.

Rolling Stone: E como você pretende estar daqui a dez anos?

Lukas Ruiz: Eu? Eu quero ser o tio da balada. Quero fazer música o resto da vida.

Rolling Stone: Mas essa vida da noite é puxada. Em 2014, no ano em que seu pai morreu, você fez 160 apresentações em um ano. Não sentiu estafa?

Lukas Ruiz: Sempre fui muito centrado. Mas não vou mentir para você, eu já usei droga. E pega numa tour de fim de ano, em que você toca muitos dias seguidos, e o cansaço vem. Depois do Carnaval, quando eu toquei 12 vezes em cinco dias, veio aquele vazio. E foi então que tive ataques de pânico, foram quatro ataques de pânico em um mês. Fui parar no hospital, achava que ia morrer.

Rolling Stone: Você sabia o que estava acontecendo com você? Entendia o que era um ataque de pânico?

Lukas Ruiz: Tudo começou quando com uma dor no braço, uma falta de ar, aí pesquisei os sintomas no Google e vieram as piores coisas. Fiz um checkup, vi que estava tudo bem. Até então eu não achava que era um problema na minha cabeça.

Rolling Stone: Depois desses episódios sentiu que era hora de brecar um pouco?

Lukas Ruiz: Depois do Carnaval, eu tinha uma tour gringa marcada. Tinha dois shows marcados fora do país, um no Canadá e outro na Suécia. Quando foi chegando perto da viagem, aquilo foi me dando uma angústia. Um dia antes, cancelei as duas apresentações. Então, me falaram para ir no psiquiatra que indicou que eu estava no começo de uma depressão e com um quadro clássico de transtorno de ansiedade.

Rolling Stone: E hoje, como você se trata? Faz terapia?

Lukas Ruiz: Em março desse ano eu passei a me medicar. Tomo remédio controlado e não pretendo parar. Eu ainda não faço terapia.

Rolling Stone: Para terminar, Lukas, hoje, você que é um DJ superstar quer tocar para multidões cada vez maiores, emplacar música na novela ou se apresentar no Faustão?

Lukas Ruiz: Não quero ir no Faustão. Eu não gosto, sou tímido, tenho medo de fazer uma cagada ao vivo. Acho que já construí algo muito legal e não precisaria ir. O pessoal não ia entender o progressive house da minha nova música no Faustão. Talvez um dia, hoje não.

Momentos memoráveis da carreira:

Tribe

“Consegui um slot num horário ruim no festival, mas dei uma sorte que o DJ da sequência não pôde tocar, então toquei num horário melhor. Tinham dez mil pessoas no meu set e isso mudou a forma como o mercado de São Paulo passou a me ver.”

Tomorrowland Brasil

“Cheguei pela porta de trás no festival, tocando num horário ruim, mas o palco em que toquei ficou absolutamente lotado, quem estava lá viu e ninguém entendia nada. Toquei uma hora de set que até hoje está no meu top cinco de sets.”
XXXPERIENCE

“Me chamaram para tocar no horário do Solomun, perguntaram se eu aceitava tocar e eu fui, sem medo. Entreguei um set foda. Foi animal.”

Kaballah

“Fui tocar às seis da tarde, não tinha ninguém na pista. E quando eu comecei a tocar o negócio começou a lotar. A partir desse dia o valor do cachê foi subindo.”

Fama, sucesso e ansiedade 

O Brasil apresenta altas taxas de pessoas com transtorno de ansiedade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo: são 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) que convivem com o transtorno. Os gatilhos são muitos, do vazio à autocobrança. Muitos jovens se veem com sintomas como falta de ar e sensação de morte que acaba os levando a hospitais. Abaixo, os DJs KVSH e Bruno B contam suas experiências e lembram que procurar ajuda médica o quanto antes é um importante primeiro passo:

KVSH:

"Sofri muito nos últimos anos quando minha carreira começou a despontar. Primeiro porque é um mundo muito distante da realidade que eu vivia antes. Todo mundo está lá te olhando e, a cada dia, você está em um lugar diferente. Aí então você toca para uma multidão e, uma hora depois, está sozinho num quarto de hotel. Eu sempre me perguntava: 'O que está acontecendo?'. Ainda hoje lido muito com a questão da ansiedade. A carreira do DJ é como a carreira de um jogador de futebol, porque é uma carreira mais curta, e você precisa sempre estar na mídia, postando o tempo todo nas redes sociais e eu me questiono como serei no futuro, se terei dinheiro para ter a minha família, são várias escolhas que farão a diferença. No começo da carreira, quando viaja sozinho rodando o Brasil -- eu, meu fone e meu pendrive --, várias vezes eu cheguei a desistir de um set por conta da solidão mesmo. Já perdi um show depois de passar por uma crise de pânico ocasionada pela exaustão da quantidade de shows e fiz uma terapia enquanto ainda vivia em Minas. Hoje levo a minha vida com mais leveza, tenho momentos de descontração com meus amigos e mesmo em shows muito grandes, tento entender que esse é mais um passo do tanto de coisa que já fiz."

Bruno Be:

"Comecei a sentir algumas crises [de ansiedade] na proporção que os shows foram aumentando. A ansiedade vinha junto com a pressão de lotar pistas. Já tive ansiedade no meio do set, por exemplo, vontade de sair, mesmo com a casa cheia. Não sei bem por que isso acontecia, mas senti os efeitos. Comecei a procurar saber da experiência de outras pessoas, como o Lukas e todos me falavam muito a respeito dessas grandes responsabilidades. Logo que começou a aparecer, procurei me tratar. Foi, então, que procurei ajuda médica, parti para medicamentos aliados a exercícios físicos."