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Tribalistas afaga os ouvidos dos fãs, mas traz debates políticos datados à mistura

Depois de 15 anos, trio volta a se reunir para recriar a bem-sucedida fórmula de “músicas para acampamento” em mix de canções românticas, políticas e existenciais

José Flávio Júnior Publicado em 25/08/2017, às 09h09 - Atualizado em 26/08/2017, às 14h47

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Tribalistas voltam depois de 15 anos - Divulgação
Tribalistas voltam depois de 15 anos - Divulgação

Marisa Monte cantando no Acústico MTV de Arnaldo Antunes. Arnaldo Antunes participando de single de Carlinhos Brown. Carlinhos Brown lançando música que mais tarde batizaria turnê de Marisa Monte. Marisa Monte gravando diversas parcerias com Arnaldo Antunes. Arnaldo Antunes reunindo Carlinhos Brown e Marisa Monte em um de seus DVDs…

Quem não parou de observar a trinca tribalista após o lançamento do mítico álbum da capa de calda de chocolate assinada por Vik Muniz, editado em 2002, sabe que tudo listado acima aconteceu nos últimos anos. Arnaldo, Carlinhos e Zé (redução de Marizeth, um dos muitos apelidos de Marisa, conforme descobrimos na canção “Tribalistas”) nunca mais caminharam separados. Mas nem por isso alguém arriscaria dizer que um segundo trabalho, de fato, como Tribalistas veria a luz do sol. Anunciado de supetão no início do mês, esse álbum agora existe – aterrissou nas plataformas digitais no primeiro minuto desta sexta-feira, 25.

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Também homônimo, ele traz dez faixas, com capa composta por Luiz Zerbini, e emula muitas das características de seu antecessor. Tem principalmente aquele clima de “música de acampamento”, como aponta Nelson Motta, no bate-papo com o trio que foi disponibilizado para a imprensa especializada. Um acampamento para veteranos, cabe dizer, já que a mais jovem do coletivo, Marisa, acabou de completar meio século de vida (Carlinhos está com 54; Arnaldo, 56). O tempo acaba se impondo como uma questão no disco, uma vez que agora os Tribalistas se abriram para temas urgentes da humanidade. São três grupos de canções: as românticas, as existenciais e as políticas.

As políticas chamam atenção pela novidade no léxico musical do conjunto. E o álbum já abre com “Diáspora” (uma das quatro canções antecipadas no dia do anúncio do retorno dos Tribalistas), que toca na questão dos refugiados. “Lutar e Vencer” pode gerar controvérsia, uma vez que os três compositores celebram os alunos que ocuparam escolas pelo Brasil, em versos como “temos consciência e educação”. Mais do que apontar que esse não é um tema que une todos os brasileiros, vale ressaltar que nada soa mais antigo do que o passado recente e esse assunto já caiu da pauta diária. O que não diminui a beleza da guitarra sitar tocada por Dadi na faixa.

Soa ainda mais datada a referência à superada crise hídrica de São Paulo em “Baião do Mundo”. “Vem, Cantareira/ Canta na calha/ Abre a torneira e chora”, o trio entoa, num ano em que o sistema citado chegou a operar com volume acima dos 94%. Mas o tribalismo também pode ser uma espécie de descompromisso com a realidade, já que os três amigos se referem à reunião como um período de férias que eles tiram. Talvez por isso saiam músicas como “Trabalivre”, uma ode absolutamente ingênua ao trabalho e também ao bar depois do expediente na sexta-feira e ao tempo livre no sábado. Nem parece composição nascida num país com milhões de desempregados, que ferve com questões envolvendo mudanças nas leis que regem as relações entre patrões e funcionários.

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O clima inacreditavelmente para cima de “Trabalivre” é repetido em “Feliz e Saudável”, que versa sobre alguém em conflito com um relacionamento amoroso em frangalhos. Há elementos nela que remetem a “A Minha Menina”, na versão dos Mutantes. Mas talvez o que muitos saudosos esperassem de uma volta dos Tribalistas era uma nova “Já Sei Namorar”. Só que, naquela pegada dançante e chiclete, com versos sublimes como “Não tenho paciência pra televisão/ Eu não sou audiência para a solidão”, Arnaldo, Carlinhos e Zé não oferecem nada. A mais cativante do pacote é a singela “Os Peixinhos”, que fecha o repertório, trazendo a portuguesa Carminho nos créditos e nos vocais. Com sua letra descrevendo os animais aquáticos, ela se conecta com os momentos mais inocentes do primeiro álbum (vide “Mary Cristo”), e se posiciona para virar hit entre a gurizada.

A “Tribalistas” da nova jornada é “Um Só”, uma das antecipadas previamente, que já causou ruído por iniciar dizendo “Somos comunistas e capitalistas”, ideia provocadora demais para esses tempos cindidos e raivosos em que vivemos. Mas, como eles fazem a própria hora... “Ânima”, por sinal, com a placidez de um vídeo de ASMR (aqueles que prometem induzir o cérebro a uma sensação de prazer ou a um estado de sonolência), é um bom antídoto ao ódio contemporâneo, pregando conformidade e desapego. Duas colaborações com Pedro Baby e Pretinho da Serrinha completam a obra e são da leva revelada no começo do mês: a existencial “Fora da Memória” e a romântica “Aliança”, que o trio parece ver potencial para concorrer com as músicas de amor dos sertanejos, que hoje dominam o mercado de um jeito como ninguém poderia prever 15 anos atrás. Agora só resta sonhar.

Ouça abaixo Tribalistas, o disco: