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Appetite for Destruction completa 30 anos

O álbum de estreia do Guns N’ Roses foi uma oficina de hits e redefiniu os padrões do hard rock

Paulo Cavalcanti Publicado em 21/07/2017, às 08h15

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Appetite For Destruction - Guns n' Roses - Reprodução
Appetite For Destruction - Guns n' Roses - Reprodução

Appetite for Destruction continua sendo um dos mais impactantes discos de estreia de uma banda de rock. Além de ser o mais bem-sucedido: 30 anos após seu lançamento, o álbum contabiliza mais de 30 milhões de cópias vendidas.

Este monumento à devassidão e à pura celebração roqueira foi engendrado por uma banda ávida para mostrar ao mundo o som que fazia. Os integrantes criaram grandes canções e lançaram o disco na hora certa – Appetite for Destruction sacudiu a segunda metade dos anos 1980, quando o hard rock ainda estava no auge, mas precisava de uma novidade, e acabou se tornando um dos registros fundamentais na história do gênero. Acima de tudo, Appetite... é um trabalho autêntico, cujo perigo e senso de caos são refletidos nas letras explícitas, em melodias que “pegam” na hora e nos riffs devastadores.

A cidade de Los Angeles, mesmo com todo o glamour e a riqueza associados à Hollywood, tinha um lado decadente, com drogas pesadas, crime e violência. A região dos clubes da Sunset Strip era habitada por junkies e garotos que viam seus sonhos de estrelato serem esmagados pelo consumo excessivo de álcool, ao passo que cafetões exploravam mulheres no mercado da prostituição. Tudo isso se confundia com a cena do rock and roll. O Guns N’ Roses sentiu na pele cada um desses aspectos e conseguiu traduzir nas 12 faixas toda a ansiedade e vulnerabilidade daqueles tempos.

Ainda que houvesse uma sensação de desespero no ar, a máxima de “vamos nos divertir antes que este mundo exploda na nossa cara” sobressaía – pelo menos para Axl Rose, Slash e companheiros. Também por isso Appetite... se tornou o disco perfeito para agitar as festas desregradas da cidade californiana.

Depois de muita labuta nos clubes noturnos de L.A., o Guns foi contratado pela gravadora Geffen em março de 1986. Os executivos da companhia colocaram os músicos para morar por algumas semanas na antiga propriedade do cineasta Cecil B. DeMille (lugar, aliás, que eles rapidamente transformaram em um pardieiro). No início, Axl Rose e Izzy Stradlin eram os principais compositores. Antes de entrar em estúdio, a dupla tinha elaborado “Anything Goes” e “Think About You”, que entraram no álbum, além de “Back Off Bitch” e “Don’t Cry”, que seriam gravadas mais tarde. Axl também já havia escrito a balada “November Rain”, mas disse a Manny Charlton, um dos produtores das demos que dariam origem a Appetite..., que queria guardar a canção para um possível segundo trabalho.

Nos meses seguintes os integrantes continuaram compondo para um álbum completo, depois de terem sido “testados” no EP Live ?!*@ Like a Suicide, lançado em dezembro de 1986. O quinteto ensaiou em um estúdio em Silverlake e as gravações começaram a ser realizadas em janeiro de 1987, no Rumbo Studios, com produção de Mike Clink. Registros adicionais ocorreram em outros estúdios, entre eles o Record Plant e o Take One.

Clink era um engenheiro de som com excelente ouvido, profundo conhecimento técnico e paciência infinita. Ele e Slash trabalharam arduamente nos riffs e solos para fazer com que o material criado pelo guitarrista se unisse de maneira impecável às melodias. Antes dos ensaios, Duff McKagan e Izzy Stradlin ajudaram a definir como seria a batida da banda, sublimando partes da bateria de Steven Adler: eles não queriam os excessos do metal pop da época e sim algo que remetesse à crueza do punk. Já Axl, que gritava desesperadamente no palco, aprendeu com Clink a usar a voz de um jeito mais sutil dentro do estúdio. Com todo mundo em forma, Apettite... foi gravado de maneira analógica. Clink laboriosamente cortou e emendou as fitas por cerca de duas semanas. O orçamento total para a gravação do disco foi de US$ 370 mil, uma quantia alta para a época.

O baixista Duff McKagan contou ao jornalista Brian Hiatt, da Rolling Stone EUA, que o quinteto tinha plena confiança no material em que estava trabalhando. “Tínhamos, na média, por volta de 20 anos, mas já nos sentíamos como veteranos. Todos nós percebemos que a banda tinha dado certo, era o que realmente queríamos”, afirmou.

Quando finalmente chegou às lojas, o resultado surpreendeu a fãs e críticos. A emblemática “Welcome to the Jungle”, de Axl e Slash, abrindo o disco como uma rajada de metralhadora, mostrava que a audição seria de fato uma experiência inesquecível. A “selva” da canção representa a Los Angeles da metade da década de 1980. E se abertura já se exibia memorável, o que viria em seguida não ficava para trás.

A faixa “It’s So Easy”, um rock de andamento mediano, foi escrita por McKagan e West Arkeen. É um retrato da atitude despreocupada e displicente da banda: eles não tinham dinheiro, mas, mesmo assim, tudo vinha fácil, inclusive o vinho vagabundo da Califórnia, combustível básico do Guns em tempos de dureza, que ganhou um tributo no rock “Night Train”. A faixa é seguida por “Out Ta Get Me”, na qual Axl desafia os detratores, como viria a fazer tantas vezes ao longo da carreira. As guitarras constroem uma parede sonora para que o paranoico vocalista entoe: “Estão atrás de mim/ Não vão me pegar/ Sou inocente/ Não irão me destruir”.

Já “Mr. Brownstone” tem como tema a heroína, fazendo referência a uma gíria usada para identificar a droga. Izzy Stradlin e Slash, na época já completamente mergulhados no vício, escreveram a letra: “Nós dançamos com o Sr. Brownstone/ Ele está batendo/ Ele não vai me deixar em paz” (os dois ainda advertem sobre os atrasos que se tornariam marca registrada do Guns: “O show começa às sete, mas entramos no palco às nove”). Este rock cadenciado, que tem uma notável atuação do baterista Steven Adler, se tornou uma favorita dos fãs. O Guns N’ Roses continua incluindo esta no setlist e Slash também costuma executá-la em suas apresentações solo.

A música seguinte se tornou uma marca ainda mais emblemática na carreira do Guns: a memorável “Paradise City”, escrita por Axl, Slash, McKagan e Stradlin. Apesar desse esforço coletivo, a letra da próxima canção da tracklist, “My Michelle”, foi uma criação solo de Axl. A inspiração nasceu da história de vida de Michelle Young, amiga da banda. O que a princípio era uma balada romântica se transformou em um rock furioso, narrando o vício em drogas de Michelle e seus problemas familiares. Mesmo que esse seja um texto sem concessões, a moça aprovou a homenagem.

“Think About You”, basicamente uma criação de Izzy Stradlin, surge, então, para dobrar a velocidade do som do álbum. Introduzido por um toque de cowbell, Axl interpreta de forma concisa a letra do guitarrista, que basicamente fala da saudade de uma antiga namorada. Uma boa preparação para “Sweet Child O’ Mine”: depois de oito pauladas seguidas, a banda surge em uma memorável canção sentimental. A faixa ajudou muito a alavancar a popularidade de Appetite... e provou que o Guns era capaz de ir além do barulho e da devassidão.

Retomando a rapidez do disco, “You're Crazy” chega de maneira caótica – tão caótica que a banda decidiu regravá-la em uma versão desacelerada e acústica em G N' R Lies (1988). O final se aproxima com “Anything Goes”, que faz jus ao título – é um autêntico vale tudo. “Do meu jeito, do seu jeito, pode tudo”, Axl entoa. A referência ao rock do Aerosmith fica clara, mas a turma de Steven Tyler provavelmente teria pudor em colocar de forma tão explícita quanto o Guns suas aventuras sexuais. É em meio à libertinagem, inclusive, que o álbum é encerrado, com a despudorada “Rocket Queen”. A rainha do título seria Barbi Von Greif, uma das muitas garotas que circulavam pela Sunset Strip e acabavam se relacionando com os músicos. No entanto, a canção se tornou uma lenda por causa de outra mulher: Adriana Smith, que fez sexo com Axl no estúdio enquanto os microfones montados pelo engenheiro de som Vic Deyglio captavam tudo. “Parecia cenário de um filme do [ator e diretor do cinema pornô] Ron Jeremy”, relatou o técnico.

Após duas semanas nas lojas, Appetite for Destruction vendeu cerca de 200 mil cópias, um bom resultado para um trabalho de estreia lançado sem muita promoção e com pouca execução nas rádios. Mas depois que o provocador vídeo de “Welcome to the Jungle” começou a ser exibido na MTV, todos os rapazes roqueiros dos Estados Unidos passaram a querer uma cópia do disco. Seis meses mais tarde, o canal musical estreou o vídeo de “Sweet Child O’ Mine” – então, foi a vez das garotas levarem Appetite... para casa. Naquela época, todo mundo já queria um pedaço do Guns.

Apesar de casar perfeitamente com a postura do grupo, o título do álbum nasceu por conta da arte original criada pelo artista Robert Williams: um maligno robô diante de uma garota com a calcinha abaixada, prestes a ser massacrado por uma criatura mecânica muito maior. Depois de muitas reclamações, a imagem foi substituída pela mais conhecida, feita por Andy Engell, com os crânios incrustados em uma cruz representando os cinco integrantes do grupo.

A polêmica não prejudicou em nada os músicos (afinal, polêmica é algo que seguiria presente em toda a trajetória do Guns), e o impacto gerado por Apettite... colocou a banda no primeiro escalão do rock. Só que o sucesso cobrou um preço. Tom Zutaut, o executivo da Geffen que contratou o Guns e trabalhou com Axl Rose na época de Chinese Democracy, contou anos mais tarde à Rolling Stone: “Foi por isso que Axl não conseguia largar Chinese... Ele queria fazer algo que fosse melhor e que também mudasse o mundo, como Appetite for Destruction”.